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Boom de cargas revela o custo da arrancada brasileira

Os negócios estão mais aquecidos para a transportadora paulista Fadel. A empresa prevê faturar 360 milhões de reais em 2017, um aumento real de 7% em comparação ao ano passado. Com mais carga para movimentar, a Fadel está comprando 100 novos caminhões para repor os mais velhos que serão aposentados na frota total de 1.000 unidades. A quantidade é o dobro da que foi comprada nos anos anteriores. O bom momento decorre do fato de que os clientes da Fadel são principalmente as indústrias de alimentos e bebidas, que atendem ao consumo das famílias, justamente o setor que está ajudando o país a sair da maior crise de sua história. Com os clientes batendo à porta, a Fadel está conseguindo repassar os aumentos de custos, algo que era praticamente impossível nos anos anteriores. “Os preços do óleo diesel e do caminhão subiram e não dá mais para absorver esses custos”, diz Ramon Alcaraz, sócio da transportadora. “Os contratos com nossos clientes estão sendo reajustados para cima.”

A Fadel é uma pequena peça da cadeia logística brasileira. Mas sua história mostra que, juntamente com a tão aguardada retomada da economia — uma boa notícia para o país —, está ocorrendo um aumento do custo logístico. Os desembolsos das empresas brasileiras com transporte, estoque e armazenagem vão chegar a 790 bilhões de reais neste ano, 40 bilhões de reais a mais do que em 2016, segundo dados do Ilos, o Instituto de Logística e Supply Chain, com sede no Rio de Janeiro. Os números representam uma piora de um problema que já é crônico. O Brasil tem um custo logístico que corresponde a 12% do produto interno bruto — para comparar, o índice é de 7,5% nos Es­tados Unidos. “Num primeiro momento, com a retomada, a logística vai ficar mais cara no país”, diz Maurício Lima, sócio do Ilos. “A partir de 2019, se o crescimento da economia brasileira passar a ser muito forte, poderá haver problema até de disponibilidade de serviços.”

 

O que está por trás desse aumento de custos? Já no ano que vem a movimentação de cargas voltará aos níveis pré-crise. O volume de produtos em circulação deverá chegar a 1,68 trilhão de toneladas por quilômetro em 2018, o mesmo que foi transportado em 2014, quando a economia virou de sinal. Com isso, serão necessários mais galpões e um giro maior dos estoques. Mas os insumos para o transporte de cargas estão mais caros. Entre eles destaca-se o óleo diesel, que encareceu 6,2% em 12 meses até outubro deste ano. O item subiu na esteira da nova política de preços adotada pela Petrobras desde julho, de reajuste dos combustíveis conforme a variação cambial e a cotação do petróleo no mercado internacional.

O fato é que o aumento dos custos de logística vem de um item em particular: o transporte. Com a crise, os investimentos públicos e privados na infraestrutura para escoamento das cargas deram marcha a ré. Dados da consultoria carioca Inter.B mostram que, em 2018, deverão ser direcionados 36 bilhões de reais no Brasil para rodovias, ferrovias, aeroportos e hidrovias, 30% menos do que foi desembolsado em 2014. “É uma área que simplesmente está toda por fazer”, afirma José Roberto Mendonça de Barros, economista da consultoria MB Associados. “E esse é um dos principais fatores que precisam ser resolvidos para o país manter o crescimento econômico a partir de 2018. ”

Com a queda dos investimentos nos últimos anos, a situação do transporte está mais precária. Um exemplo são as rodovias, principal meio de escoamento de cargas, com 63% de participação. No ano que vem, a movimentação pelas estradas já deverá voltar a crescer, mas os investimentos ainda estarão 14 bilhões de reais abaixo do nível pré-crise. O reflexo disso é um transporte demorado, perigoso e imprevisível, elevando os custos dos deslocamentos. Um estudo realizado pela Confederação Nacional dos Transportes aponta que, em média, o transportador brasileiro tem seu custo aumentado em 27% em decorrência de problemas nas vias. “Comparada a outras unidades da Lenovo, como a dos Estados Unidos, a brasileira gasta mais do que o dobro com logística”, afirma Ricardo Bloj, presidente da fabricante de computadores Lenovo no Brasil.

Como o transporte no Brasil passa principalmente pelas rodovias, acompanhar a frota de caminhões é um bom indicativo da situação. O licenciamento desses veículos, que caiu 70% desde 2011, começou a reagir — deverá ter um aumento de 20% no ano que vem. Porém, ainda é pouco para fazer a frota total voltar a crescer. A cada ano, precisam ser vendidas 70.000 unidades para a manutenção da frota, mas há três anos isso não ocorre (neste ano, as vendas deverão somar 41.000).

Num primeiro momento, os transportadores estão colocando para rodar caminhões que estavam parados, aumentando a carga e trocando somente os mais velhos. “Há venda de caminhões para repor os que estão ficando menos rentáveis, mas não para ampliar a frota”, diz Philipp Schiemer, presidente da Mercedes-Benz do Brasil. Com base nesse cenário, a montadora está percebendo a redução da ociosidade de suas fábricas em São Bernardo do Campo, em São Paulo, e Juiz de Fora, em Minas Gerais, de 60% para 50%, mas ainda vai esperar sinais melhores da economia e do mercado de caminhões para abrir o segundo turno de produção.

Em meio a esse cenário de aumento de custos, ganha espaço a empresa que se preparou durante a crise para tornar suas cadeias de distribuição mais eficientes. Um exemplo é a Via Varejo, dona do Ponto Frio e da Casas Bahia. Nos últimos dois anos, a empresa descentralizou as operações — antes, 80% dos produtos passavam por um centro de distribuição em Jundiaí, no interior de São Paulo. Além disso, reforçou a estrutura de entrega no Nordeste, investiu numa plataforma de estoque única para 25 centros de distribuição e 1.000 lojas pelo país e integrou as atividades das lojas físicas e online.

Um cliente que compra pela internet, por exemplo, pode retirar o produto numa loja mais próxima. Só essa providência permitiu, em 2016, uma economia de 120 milhões de reais. O resultado: menos risco de o cliente não receber um produto que comprou, por discrepâncias na distribuição. “Hoje, apenas no caso de 2% dos pedidos dos clientes não temos o produto disponível para entrega”, diz Marcelo Lopes, diretor de logística da Via Varejo. “Esse índice era de 14% na loja física e de 40% na internet há três anos.”

Em outro exemplo, a americana Ingredion, produtora de ingredientes para a indústria alimentícia, passou os últimos anos implementando soluções para tornar a logística mais eficiente: passou a permitir a saída dos caminhões das fábricas apenas com a lotação total e a fazer o agendamento digital de cargas e descargas. Com isso, conseguiu ganhos de produtividade de até 7%. “O Brasil tem tudo para voltar a crescer a um ritmo de 3% ao ano, e a capacidade logística, que hoje sobra, pode acabar faltando devido à ausência de investimentos”, afirma Ernesto Pousada, presidente da Ingredion para a América do Sul.

Pois bastou o Brasil crescer um tiquinho para velhos problemas voltarem à tona. O governo está se mexendo para tentar resolver. A estatal Empresa de Planejamento e Logística elaborou um plano nacional na área, mirando um investimento de 136 bilhões de reais até 2025 em rodovias e ferrovias, principalmente com recursos do setor privado. “Com o plano, o custo total da logística de transporte será 8% menor, mas movimentaremos 6% mais carga até 2025”, diz José Carlos Medaglia Filho, presidente da EPL. Pensar no futuro tem sido uma tarefa relegada há décadas no país. “Falta consenso sobre as prioridades e uma visão de longo prazo”, diz o economista americano Thomas Trebat, diretor do Centro Global da Universidade Colúmbia no Rio de Janeiro. Pois é justamente esse ponto que faria a diferença para o Brasil arrancar de vez — e sem escalada de custos.

Fonte: Exame